sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Dos óculos

Les roses et jasmin dans le vase de Delf (Pierre-Auguste Renoir, 1880-81)

Sua mãe lhe perguntou sobre o que estava pensando. Eram tantas coisas, que ela nem sabia por onde começar: seu sorriso largo, a risada sonora; seus óculos finos, que ela teve em suas mãos; a grama pinicando na pele, casquinhas de árvore nas costas e a cabeça dele apoiada no colo; uma joaninha no nariz, e o sol forte nos olhos. O sol era ele.

- Diga, menina! O que foi? - A mãe perguntou novamente, angustiada pelo silêncio.

- O sol era ele. - Ela respondeu.

sábado, 1 de maio de 2010

Dos Olhos

Lady in a Green Jacket (August Mack, 1913)


Nunca prestou atenção no que de mais havia no rosto dos outros - conversava apenas com as sobrancelhas.

Lhe falavam muito:

Se estavam arqueadas, lá em cima, quase querendo encontrar os cabelos, era bom. Era espanto, ou admiração - tanto fazia, afinal.
Se desciam e se juntavam, um horror! Discordância na certa. E isso era ruim.

Um dia, numa conversa tediosa com um par de sobrancelhas, escorregou: caiu nos olhos.

Ah, os olhos.

sábado, 10 de abril de 2010

Dentro da pele

Un bar aux Folies Bergère (Manet, 1882)


Ela esfregou os olhos duramente, e os abriu. Conseguia sentir: estava nascendo, assim como se nasce todos os dias, assim como todos os dias nascem. A água caía fria sobre o seu corpo, e os pelos de seus braços se arrepiavam. Ela os observava, reparando em como sua nova pele se parecia com couro de bicho. Bicho que assusta a gente quando mostra que tem vida própria.

E se era assim, ela mesma tinha vida própria, pensou por um instante, e se impressionou com isso. Era ela dentro daquela pele, era a sua vontade. Podia fazer o que quisesse. Podia ir para a China um dia desses, e voltar se de lá não gostasse. Podia ficar no mesmo lugar, se nisso visse sentido. Podia ver sentido, ou não ver, se esse não lhe interessasse. Podia mesmo fazer tudo, e podia não querer fazê-lo. Mas era sua escolha, não era? Não era?

terça-feira, 16 de março de 2010

Joana e o sol

Imagem: Morro da Favela, Tarsila do Amaral.

" — Papai, inventei uma poesia.
— Como é o nome?
— Eu e o sol. — Sem esperar muito recitou: — “As galinhas que estão no quintal já comeram duas minhocas mas eu não vi”.
— Sim? Que é que você e o sol têm a ver com a poesia?
Ela olhou-o um segundo. Ele não compreendera...
— O sol está em cima das minhocas, papai, e eu fiz a poesia e não vi as minhocas... – Pausa. — Posso inventar outra agora mesmo: “Ó sol, vem brincar comigo”. Outra maior:
“Vi uma nuvem pequena
coitada da minhoca
acho que ela não viu”.
— Lindas, pequena, lindas. Como é que se faz uma poesia tão bonita?
— Não é difícil, é só ir dizendo".

(Perto do Coração Selvagem, Clarice Lispector)

sexta-feira, 12 de março de 2010

"É uma luta... Essa vida é uma luta"


A primavera, Monet


Hoje no ônibus havia um casal - essa de casais está se tornando uma constante.

Ele contava seus planos para o futuro, assim, no ônibus, como quem conta o que comeu no almoço.

Ela via seus planos se despedaçarem, dizia que cada um ia terminar seguindo seu caminho. Provavelmente era o fim. "Será que ele não entende como isso é importante?"

É, ele entendia, mas não sabia o que fazer para que o fim não chegasse. A cada palavra dela, ele só conseguia abraçá-la, e soltá-la, para olhá-la no rosto e ver se o abraço tinha provocado algum sorriso.

Abraçá-la e soltá-la.

Abraçá-la e soltá-la. Como se com um carinho, todos os problemas acabassem.

Ele então parou, cansou, desistiu... Então foi ela quem o abraçou. Talvez com um carinho os problemas realmente vão embora.

Talvez não.


Essa sim é uma história verídica.

Créditos do título para minha amiga Elís!

sábado, 6 de março de 2010

A Metamorfose


Fotografia de Jonas Bendiksen

Um dia desses, eu estava sentada numa praça, esperando o ônibus para a casa de Madalena, quando um casalzinho sentou-se perto de mim. Os dois, muito jovens, agiam como se não me vissem. Para ele, apaixonado, não existia outra coisa além de sua perfeita namorada, seu mundo. Ela, eu não imagino onde estava, mas certamente não era ali.
Na curiosa relação, ele passou o braço ao redor do pescoço da garota, enrolando delicadamente os cachinhos de seus cabelos com o dedo mindinho. Que bonequinha ela era para ele, o orgulhoso aluno do ensino médio, que ostentava a garota mais bonita da escola ao seu lado. Não que ele não gostasse dela realmente, mas sabe-se como o gostar pode se confundir com a vaidade... Já ela, só fazia olhar para longe, lembrando, pensando, ignorando-o um pouco. O garoto, já incomodado, a questionou sobre essa distração – “que injusto não poder controlar-lhe os pensamentos”, deve ter pensado.
- O que foi Alice? No que está pensando?
- Hã? Ah, nada... – A menina respondeu secamente, retirando seus cabelos dos dedos do rapaz e prendendo-os num coque, no alto da cabeça.
- O que foi? Está brava comigo?
A mocinha então o olhou nos olhos profundamente por alguns segundos, num incômodo silêncio. Nos olhos dele havia espanto, sua boneca criou vida. Por um instante, ela lhe parecia um gigante. Era tão grande que poderia pisar nele, ou assoprá-lo para longe! Alice não o faria, por pena, ou por bem-querer, ele esperava, mas apenas a capacidade de fazê-lo o assustava, dava pra ver em seu rosto. E Alice de fato não o assoprou nem fez menção de levantar um dos pés para esmagá-lo. Ela apenas suspirou, e voltou a desviar o olhar.
O rapaz então se afastou um pouco e abaixou a cabeça, enquanto ela tirava o celular da bolsa para ver as horas.
- Alice, pode dizer. O que foi que eu fiz, por que você está assim?
- Não é nada, já te disse.
Mais uma vez fizeram silêncio. O ar pesou um pouco, e dessa vez foi ela quem se manifestou. Parecia incerta sobre falar ou não, mas acabou perguntando:
- Você já leu aquele livro do Franz Kafka, a Metamorfose?
Ele olhou para ela, um tanto tenso. Acho que ela estava levantando um dos pés, finalmente, ele podia sentir que seria esmagado.
- Não – ele disse.
Alice balançou os pés e cruzou os braços, impacientemente. Depois olhou para ele novamente e disse:
- Se você tivesse lido, entenderia.
O rapaz a fitou perplexo, depois soltou um risinho abafado, e balançou ligeiramente a cabeça. Então parou, olhou para frente e em seguida fitou novamente a namoradinha. Nesse momento o ruído do ônibus que vinha pela rua chamou a atenção de todos. Não era o meu.
- Olha Pedro, é o seu ônibus. – Ainda de braços cruzados, a menina deu-lhe um beijo no rosto, e, numa fração de segundo, virou-se e partiu. Ele a olhou por um tempo que me pareceu eterno, depois entrou no ônibus e se foi também.
Essa história não me saiu da cabeça. Na verdade, fiquei pensando nisso até o jantar, quando um dos filhos da Madalena me pisou no dedão.


Essa é uma história fictícia.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

FAQ

"Love me tender" fica melhor na voz do Elvis Presley ou da Norah Jones?

Elvis - http://www.youtube.com/watch?v=HZBUb0ElnNY

Norah - http://www.youtube.com/watch?v=ZDWO8Q55T6k&feature=related

Ainda não sei a resposta, mas alguém já reparou que essa música parece uma canção de ninar?

Hoje estou mesmo questionadora! : )



Imagem: Mother and Child, de Gustav Klimt (Detalhe de The Three Ages of Woman) - Em homenagem à minha amiga Jéssica.