sábado, 10 de abril de 2010

Dentro da pele

Un bar aux Folies Bergère (Manet, 1882)


Ela esfregou os olhos duramente, e os abriu. Conseguia sentir: estava nascendo, assim como se nasce todos os dias, assim como todos os dias nascem. A água caía fria sobre o seu corpo, e os pelos de seus braços se arrepiavam. Ela os observava, reparando em como sua nova pele se parecia com couro de bicho. Bicho que assusta a gente quando mostra que tem vida própria.

E se era assim, ela mesma tinha vida própria, pensou por um instante, e se impressionou com isso. Era ela dentro daquela pele, era a sua vontade. Podia fazer o que quisesse. Podia ir para a China um dia desses, e voltar se de lá não gostasse. Podia ficar no mesmo lugar, se nisso visse sentido. Podia ver sentido, ou não ver, se esse não lhe interessasse. Podia mesmo fazer tudo, e podia não querer fazê-lo. Mas era sua escolha, não era? Não era?